Cultura é saber ouvir os dois lados dum diferendo e de cada um deles extrair-lhe as virtualidades e desprezar os "ruídos".
São por demais mediatizadas a saída do director do S.Carlos, Paolo Pinamonti, e as manifestações de solidariedade, a par das alfinetadas concertadas pelos indefectíveis inimigos de estimação.
Pereceu-me bem propôr à reflexão dois textos sobre esta temática lisboeta (?) , nacional (?) e provocar a sempre saudável polémica a que o nosso blog incita.
Tomem lá
Jantar de Amizade com Paolo PinamontiDecorreu com notáveis presenças o jantar que reuniu cerca de cento e cinquenta pessoas na passada segunda feira dia 26 de Março, alguns dias antes do final do contrato de Pinamonti, marcado e realizado em três dias. Não cito nomes, todos foram importantes e notáveis à sua maneira. Fica a amizade e emoção.Dos discursos de Rui Vieira Nery, Jorge Calado e Augusto Seabra, destaco obviamente o último pela análise certeira e reflexão intelectual profunda que Seabra fez da questão, simplesmente brilhante num conjunto muito interessante de discursos. Jorge Calado foi emotivo, falou dos anos de Pinamonti, falou do seu gosto pela ópera, falou das capacidades de Pinamonti, falou com a história de ir à ópera há sessenta e seis anos, também caiu um pouco no seu exagero proveniente da paixão que põe nas coisas, o que é belo mas também pode ser injusto para outros.Rui Nery, mais como vice-presidente dos Amigos do S. Carlos e menos como antigo crítico, dissertou sobre os feitos de Pinamonti ao longo destes seis anos, elencou maestros, encenadores, obras, falou da amizade e da forma de realizar de Paolo Pinamonti, incomparável na sua capacidade de realizar e fazer com meios de grande escassez. Falou da miséria em que a cultura em geral e a ópera em particular cairam nos últimos anos e a forma como Pinamonti foi enfrentando as dificuldades crescentes cada dia que passou até à sua grosseira demissão pela tutela actual.Finalmente Augusto M. Seabra radiografou toda a situação de forma profunda, acusou quem devia e da forma como devia, com coragem e sentido de oportunidade, sem ser agressivo ou maçador, construiu uma peça de retórica de grande qualidade que deveria ser publicada, criticou o Opart e a sua criação, dissertou sobre o não cumprimento por parte da tutela da cultura do programa de governo, analisou os motivos deste afastamento. Explicou como se faz uma substituição destas nos países civilizados, com políticos inteligentes e capazes, citanto o recente caso de Paris e a sua transição cuidada e pensada, deu pistas para acção no futuro. Inteligente e conciso Seabra surpreendeu-me pela sua análise breve e completa.Saramago enviou mensagem de solidariedade e amizade, Jorge Sampaio fez o mesmo e lamentou não poder participar no jantar por se encontrar em África. Devido à rapidez da marcação deste jantar muitos outros não puderam estar presentes mas enviaram mensagens.Foi um jantar de amigos, Pinamonti anunciou que continua disponível para gerir o Teatro até o final da temporada, como lhe foi pedido pela tutela muito recentemente, que antes tinha afirmado ser obrigação de Pinamonti ficar até vir o novo director (!!), para ajudar na transição e porque deve respeito ao teatro e aos portugueses. Porque acha que é o seu dever para com Portugal que o acolheu tão afectuosamente e que aprendeu a gostar: "As pessoas passam mas o teatro de S. Carlos está lá há muitos anos". Leu-nos ainda uma carta de uma jovem de 16 anos (que ele não conhece), que lhe enviou um ramo de flores, e que dizia que tinha descoberto a magia da ópera e do teatro com as produções que o italiano nos trouxe.Comoveu e comoveu-se: Bravo Pinamonti.
"Já aqui escrevi sobre o São Carlos e a conspícua falta de imaginação do seu director artístico Paolo Pinamonti.Mas chegaram-me ao ouvido uns ecos de umas manigâncias que os corsários que nos (des)governam há 30 anos, concretamente do clã que agora (des)governa, andam a fazer com estas coisas da cultura. Esse parente pobre da política Lusa. Que vem no fim da enorme lista de prioridades no que ao investimento diz respeito. E que está sempre no topo da lista quando é para cortar.Compreende-se. Não se pode cortar nos apoios aos clubes de bola ou nas benesses dos digníssimos deputados da nação, ou outros servidores da rés pública. Pois só com estas benesses se conseguem atrair os "melhores" para a política. Donde é um investimento mais que sensato que o contribuinte faz. Pode verificar dessa sensatez observando o Canal Parlamento, mantendo por perto uma caixa de anfetaminas para quebrar o tédio.Sucede que o CCB levou um corte no orçamento, e o valor que foi cortado é precisamente o que o São Carlos obteve a mais: Coincidência? Talvez. Coincidência também que a actual administradora financeira do CCB seja a ex-administradora financeira do São Carlos? Coincidência também que o actual secretário de estado da cultura tenha elos mais que profissionais com o Dr. Pinamonti? Coincidência que se fale em encafuar a OSP no CCB? Reduzindo a sua programação própria ao zero quase absoluto, sendo apenas um frontend para a OSP e o São Carlos? O CCB tem um centro de exposições que recebe 120 mil visitantes por ano. O São Carlos tem um restaurante que às vezes está cheio. Falo no restaurante, porque se um marciano aterrasse agora no largo de São Carlos, seguramente que a sua primeira impressão seria o de estar perante um restaurante com uma cozinha anormalmente grande, e que nos intervalos às vezes tem ópera, sobretudo romântica italiana, para ajudar à digestão dos comensais. O que aliás é uma óptima implementação do princípio do cross-selling. Os mesmos burgueses entediados que entopem as récitas de Verdi & afins, são também os que entopem as mesas do restaurante.O CCB tem uma programação diversificada, que abrange um vasto leque de público. O São Carlos insiste, insiste, insiste e insiste numa programação entediante, sem chama, sem ideias, sem estratégia. Como exemplo paradigmático desta falta de ideias é a programação da integral das Sinfonias de Beethoven, esta temporada de 2005-2006, isto depois de uma Festa da Música de 2005, dedicada ao compositor alemão e aos seus amigos. Compreende-se que o pedantismo que abunda entre o público do São Carlos o impeça de se "rebaixar" e ir a uma coisa para as "massas" como a Festa da Música.O CCB é um centro de congressos e gera cerca de 55% do seu orçamento com receitas próprias. Não tem mecenas. O São Carlos tem um banco como mecenas que passa os cheques em troca de umas récitas privadas para os clientes do private banking e "amigos". O CCB cede as salas do centro de espectáculos para produções externas. O São Carlos só é utilizado para produções internas.O CCB tem em termos relativos uma estrutura de produção e administrativa que é 1/3 da que o São Carlos possui.Dizem os corsários que trabalham para o interesse comum. Será que o interesse comum implica a mutilação de uma instituiçãso que serve centenas de mihares em prol uma instituição que serve meia dúzia de gatos? Será que o interesse público é deixar que as sensibilidades pessoais se interponham e atropelem o trabalho alheio, ainda para mais quando isso se alia a uma incapacidade de avaliar o trabalho de quem supostamente se beneficia? Já alguém pediu contas ao Dr. Pinamonti? Já alguém se perguntou se faz sentido ter como director do único teatro de ópera em Portugal um forasteiro que se está nas tintas para a música cá feita? Alguém viu uma ópera de Francisco António de Almeida (1702-1755) subir à cena no São Carlos este ano? E o Terramoto de 1755, e a evocação da Ópera do Tejo que o abalo arruinou? Nada disso. Começa com umas xaropadas Verdianas e lá mais para diante há uma ópera de um compositor português obscuro do séc. XIX. E os compositores portugueses contemporâneos, onde páram? No São Carlos não de certeza. Por este "mísero" orçamento se calhar queriam "ópera"?Alguém pede contas ao maestro Pesko e ao trabalho que ele (não) faz? Não nada disso. Aurea mediocritas, dizem-nos os corsários que tutelam estas coisas. Assiste-se assim ao desmembrar de uma instituição que tem um nome e uma perfil bem definido. Uma instituição que pertence aos Lisboetas. Uma instituição que inovou em muitas coisas. E isto pelos caprichos afectados de um corsário que acha mais importante ter os seus compañeros contente$ do que servir o público. Exertam nessa instituição uma outra, anacrónica, depositária dos vícios piores do funcionalismo público. Uma instituição que não está habituada a prestar contas. Que programa temporadas com cachets milionários para maestros de terceira categoria. Uma instituição que é incapaz de atrair novos públicos. Que ano, após ano repete as estafadas xaropadas verdianas, enquanto outras coisas melhores mofam. Já nem nevoeiro consegues ser ó Portugal, o teu ar está demasiado rarefeito para que o nevoeiro surja. Hoje és ar. O ar das bazófias dos corsários que de ti se servem para propulsar a sua incomensurável mediocridade e as dos seus compañeros aos pináculos"
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